sexta-feira, 7 de agosto de 2020

PROUT - para a felicidade e o bem-estar geral de todos

PROUT significa Teoria da Utilização Progressiva, acrônimo do inglês, PROgressive Utilization Theory. Foi criada e elaborada primeiramente pelo indiano Prabhat Ranjan Sarkar. A primeira exposição em forma de livro de vários aspectos de PROUT foi feita através do livro A Sociedade Humana, que apareceu separadamente em duas partes (Mánuśer Samája 1, 1959, e Mánuśer Samája 2, 1963). [1]

P. R. Sarkar discriminou entre dois tipos de teoria (tattva, em sânscrito): (1) saeddhantik tattva e (2) prayogbhaumik tattva. O primeiro tipo é baseado em hipóteses, inferências estreitas, generalização indevida, e falácias, e é desligado da observação prática. A questão de aplicação prática desse tipo de teoria sucede-se à sua criação, e portanto uma tal teoria pode tanto conseguir ser materializada quanto não. O segundo tipo está baseado no teste pragmático cotidiano, e em sólidos fundamentos lógicos e científicos. Ou seja, seus processos e fenômenos estão baseados em condições objetivas, e em fenômenos históricos. Sua aplicabilidade é universal e além de dúvidas, e pode ser feita com relativamente pouco esforço. [2]

PROUT originou-se do estudo objetivo da história humana - e não apenas das condições objetivas prevalescentes em certas épocas e lugares, posteriormente generalizadas. Está baseada em uma abordagem sintética da sociedade humana, ao mesmo tempo reconhecendo sua diversidade. [2]

A primeira parte dos 16 princípios de PROUT expressa a lei dinâmica da sociedade humana, ou teoria do ciclo social, referente à evolução sócio-psíquica da humanidade. Essa teoria do ciclo social distingue quatro tipos básicos de mentalidade humana (varnas, em sânscrito), que ao longo da história desenvolveram-se e sucedem-se ciclicamente na forma de psicologias coletivas dominantes. São elas as mentalidades de: “trabalhador braçal” (o termo apropriado em sânscrito é shúdra); “guerreiro” (ksáttrya); “intelectual” (vipra); e “aquisidor” (vaeshya). Em outras palavras, sempre há o domínio de uma dessas mentalidades em cada sociedade ou grupo social, e a mentalidade dominante em certa época influencia a psicologia coletiva da sociedade. [3] O ciclo social apresenta um sentido preferencial ou principal de movimento, mas há a possibilidade de eventuais retrocessos, ou movimentos no sentido contrário, de duração relativamente curta. [4] O economista Ravi Batra fez uma análise da civilização ocidental, além de outras duas, com o enfoque da teoria dos ciclos sociais, na referência [5].

Quando há movimento no ciclo social, passando-se de uma mentalidade dominante para a seguinte, a sociedade experimenta um período de expansão, ou dinamismo, trazendo novas formas de expressão, novos desenvolvimentos sociais. A causa principal da exploração na sociedade é a estagnação da psicologia coletiva em uma mentalidade dominante, pois implica em retardamento do movimento do ciclo social. [1]

É comum as pessoas limitarem-se ou especializarem-se em apenas alguma dessas mentalidades básicas, apesar de todas as varnas (ou “cores mentais”) encontrarem-se em forma latente, ou como potencialidade, em cada indivíduo. A internalização e aceleração do movimento do ciclo social em nível individual corresponde à formação de personalidades integradas, denominadas de sadvipras. Pessoas que apresentam-se com esse dinamismo interno, ou que estão desenvolvendo-no, podem ser qualificadas como sadvipras, ou como aspirantes a tal. Vemos como conseqüência disto que PROUT opõe-se por princípio ao sistema de castas. Normalmente, sadvipras originam-se dentre as pessoas insatisfeitas com a exploração existente na sociedade (chamadas vikshubdha shudras). A existência e atuação de sadvipras na sociedade cria pressão adicional para que o ciclo social avance, ajudando a sociedade a sair de um eventual período prolongado de estagnação e exploração social. [1] Sadvipras apresentam mentes essencialmente transdisciplinares, pois reconhecem a unidade fundamental subjacente a todos os objetos e processos, e inspiram-se nela. Essa inspiração torna mais fácil a aceitação e ajuste às diversidades do mundo objetivo. As ações dos sadvipras são inspiradas no ideal de bem-estar de todos os seres, e em um estágio mais avançado, no sentimento de amor universal, ou amor por todos os seres. [1; 8]


A manutenção do dinamismo no ciclo social é um processo relevante e aplicável também em pequena escala social. Tomemos por exemplo o caso particular dos empreendimentos solidários. Nestes, tipicamente há algum sistema de resolução de problemas e tomadas de decisões por autogestão. Assembléias gerais dos membros são a instância decisória máxima, podendo definir os membros que ocupam cargos de administração, e estipulando as diretrizes administrativas. [6] O rodízio dos membros nesses cargos pode ser desejável por vários motivos, dentre os quais: evitar a acomodação de membros em cargos administrativos e também de membros que não assumem tais cargos; e delegar responsabilidades a outros membros, incentivando o aprendizado e exercício de novas funções. A manutenção do dinamismo interno desses empreendimentos pode ser realizada também de outras formas. Em seu livro Após o Capitalismo, Dada Maheshvarananda explica que: “A experiência tem mostrado a importância de ensinar aos trabalhadores de cooperativas um comportamento ético para que eles possam participar da administração. As cooperativas mais bem-sucedidas são aquelas em que os administradores são também treinadores, capazes de despertar nos trabalhadores uma compreensão do sistema de cooperativas e como ele funciona.” [7, p.121] (Note-se que as cooperativas aqui não se limitam nem são idênticas com o que é estabelecido na legislação brasileira a respeito.)

É importante destacar que dentro de PROUT, as cooperativas em particular, e as atividades sociais em geral, são organizadas conforme o espírito da cooperação coordenada, ou seja, visando o desenvolvimento equilibrado de todos os seres, reconhecendo-se as suas diferenças e valorizando-se as potencialidades plenas de cada qual. Diferentemente, a cooperação subordinada caracteriza-se pela acentuação ou criação de diferenças entre as pessoas ou entre os seres em geral, podendo levar à inferiorização de uns em relação a outros, supressão, opressão, exploração e mesmo criação de divisões sociais. Tal forma de relacionamento entre os seres é típica, por exemplo, dos empreendimentos do sistema capitalista, por estarem baseados no princípio do prazer egoísta, o qual manifesta-se em tal sistema na forma de busca pelo lucro ou acumulação de riqueza acima de tudo. Ou seja, neste caso em particular: através da exacerbação ou estagnação na mentalidade aquisidora, “capitalista”. Tal princípio pode assumir outras formas conforme a mentalidade ou varna motivada por ele.

PROUT, por outro lado, está fundamentado no princípio da igualdade social (sama samaj tattva). Tal fundamentação é melhor elaborada dentro da filosofia do Neo-humanismo, criada também por P. R. Sarkar. [8] Um dos 16 princípios de PROUT estabelece que “A diferença, e não a igualdade, é a lei da natureza.” [4] A referida igualdade social refere-se ao reconhecimento do valor existencial, e não meramente utilitário, de todos os seres, sejam animados ou inanimados. Todos os seres possuem uma mesma origem comum, e uma mesma essência, e um mesmo ponto culminante de suas existências. Isto é caracterizado dentro do Neo-humanismo como sendo a fraternidade cósmica, ou seja, todos os seres são irmãos e irmãs nesta mesma jornada cósmica ou evolução deste universo. De forma semelhante, Sarkar declara que a sociedade humana é una e indivisível, exortando assim todas as pessoas a sobrepujarem as tendências divisivas que criam divisões artificiais entre os seres humanos, e reconhecendo que todos os seres humanos possuem essencialmente uma mesma natureza.


Como conseqüência da fraternidade cósmica, segue-se o conceito de herança cósmica, que estabelece que nada é propriedade exclusiva de ninguém, e que todos os seres têm direito ao usufruto do universo. Disto decorrem os princípios econômicos de PROUT, que incluem ( I ) a garantia das necessidades básicas a todos os seres humanos, e ( II ) a distribuição do excedente às pessoas meritórias. Essas necessidades básicas não são definidas de uma vez por todas, mas dependem de fatores como a disponibilidade local de recursos e do grau de avanço científico e tecnológico da sociedade, o qual pode implicar em aumento de produtividade, melhor utilização de recursos, e descoberta e aproveitamento de novos recursos. Após a distribuição das necessidades básicas, o excedente pode ser utilizado para “premiar” as pessoas que trabalharam mais para o bem-comum.

O papel dos sadvipras em todo esse processo é fundamental. Isto significa que as lideranças benevolentes que trabalham determinadamente pelo bem-estar de todos os seres é que têm competência para assumirem responsabilidades sociais. A entrega de cargos de responsabilidade a pessoas que não visam o bem-estar comum corresponde a permitir que a sociedade seja degradada. [8] Naturalmente que tais sadvipras, orientados para o progresso humano, irão esforçar-se para desenvolver a cooperação coordenada entre as pessoas, promovendo a sua consciência social, política e econômica – a exemplo do que ocorre nas cooperativas mais bem-sucedidas, como já citado.

Um terceiro princípio econômico afirma que ( III ) o aumento do poder de compra das pessoas é indicador da vitalidade da sociedade. Adicionalmente, PROUT estabelece que ( IV ) ninguém deve poder acumular riqueza material sem a aprovação clara do corpo coletivo – ou seja, sem consentimento daquelas pessoas engajadas e organizadas em torno do bem-estar comum da sociedade. Este é o primeiro dos cinco princípios fundamentais de PROUT. Ele implica que deverá haver um limite ou teto máximo para os salários ou pagamentos feitos a cada indivíduo (ou seja, dos bens recebidos por cada pessoa). Por outro lado, a garantia das necessidades básicas implica em um patamar mínimo, a exemplo da definição de um salário mínimo. Essa diferença entre o mínimo e o máximo é essencial para a manutenção do dinamismo da economia.


PROUT defende a democracia econômica, ou seja, todas as pessoas devem ter acesso aos bens estipulados como mínimos – como já declarado no primeiro princípio econômico proutista. No sistema capitalista isto não ocorre porque não é estabelecido nenhum teto máximo para a acumulação individual, mesmo que um governo reconheça o direito a uma vida digna de seus cidadãos, e assim pretenda garantir um salário mínimo para sua população. E no socialismo de estado, em nome da igualdade social, as diferenças individuais não são reconhecidas, e tampouco o mérito individual de pessoas que porventura assumam maior responsabilidade e realizem mais trabalho pelo bem-estar social. Desta forma, a centralização da economia no estado socialista ou partido comunista pode terminar como outra manifestação do sistema capitalista, ou seja, um capitalismo de estado.

Para que a democracia econômica possa ser alcançada, um dos requisitos definidos por Sarkar é a descentralização da economia [9; 10], que por sua vez depende do planejamento de área. [9; 11] Para organizar essa descentralização econômica, PROUT prevê a formação de unidades sócio-econômicas (USEs), para o que também há certos critérios a serem observados, incluindo similaridade étnica e legado cultural comum entre as pessoas, bem como uma língua comum. [9; 10] Com base nesses critérios, o Brasil pode ser considerado como uma única USE – um exemplo do que se pode entender por “local” neste contexto. O objetivo de tais unidades é atingir a autosuficiência econômica, tornando-se assim unidades sócio-econômicas autosuficientes (USEAs). Isto demanda que a população local de tais USEAs seja responsável em administrar seus recursos e atividades econômicas, e não um governo central - ainda que a centralização política (mas não econômica) seja desejável, e de fato uma tendência natural para a humanidade, tal como claramente expresso por Sarkar a propósito da sociedade humana. Outro ponto a ser mencionado sobre a descentralização, é que não se deve permitir que pessoas alheias aos interesses locais interfiram na economia local. A exportação de matérias-primas de uma unidade para outra somente poderá ser permitida sob circunstâncias especiais, de forma a não comprometer a auto-suficiência econômica de nenhuma das unidades em questão. O intercâmbio econômico entre as unidades deve ser feito preferivelmente na forma de trocas do que como comércio.

A valorização dos produtos da economia local, por parte da própria população local, é importante no processo de estabelecimento dessa autosuficiência econômica, e pode implicar até mesmo em se preferir a aquisição de produtos de qualidade inferior e a um preço maior do que aqueles produzidos de forma alheia aos interesses da população local, ou mesmo importados de outros locais. Naturalmente isto demanda a elevação da consciência sócio-econômica da população.


PROUT faz uma estruturação da economia estruturada em três níveis principais: (1) a iniciativa privada, que deve ficar restrita a pequenos negócios; (2) as cooperativas, que deverão ocupar-se da maior parte da atividade econômica; e (3) as empresas estratégias de grande escala. A organização da economia segundo os moldes de PROUT implicará na formação de redes de cooperativas, abrangendo os diversos setores: agrícola, agroindustrial (processamento de matérias-primas agrícolas), agrico-industrial (equipamentos e insumos para agricultura), industrial não-agrícola, comércio e trocas, e atividade intelectual ou de escritório. [7, pp.138-141; 9] Em particular, isto inclui também cooperativas de consumidores.

PROUT dá lugar destacado ao desenvolvimento equilibrado em todas as esferas da existência, seja individual ou coletiva, humana ou ambiental, e da mesma forma, prevê o equilíbrio entre essas diferentes esferas. [4] No caso da economia equilibrada de PROUT, ou seja, para que a economia seja saudável, é importante observar um equilíbrio quanto à proporção de pessoas dedicadas a cada um dos setores da economia, acima mencionados. Neste sentido, Sarkar inclusive apresenta certas faixas ótimas de valores percentuais, como referência. Além disso, recomenda que o beneficiamento de matérias-primas e o consumo de bens seja feito tão próximo quanto possível do ponto de obtenção dessas matérias-primas. [9] Isto permite evitar os problemas decorrentes da economia desequilibrada, por exemplo na forma de áreas rurais distantes de áreas urbanas e industrializadas, com a conseqüente migração de pessoas das regiões economicamente mais pobres para as mais ricas, ou na forma do colonialismo, com países fornecedores de matéria-prima e consumidores de bens industrializados, de um lado, e países industrializados de outro lado, ou na forma da economia globalizada, com corporações transnacionais operando em diversos países, conforme suas conveniências de redução de custos e aumento de lucros.


[CONTINUAÇÃO: "Cooperativa na UFSC, Projeto Ágora e PROUT" ]
Mahesh, novembro de 2008.


BIBLIOGRAFIA:

[1] Prabhat Ranjan Sarkar. Human Society. Kolkata: Ananda Marga Publications, 1999. 2a ed.

[2] Acharya Nirmalananda Avadhuta. Fundamentals of PROUT (As Propounded in Ananda Sutram) - Vol. 1. Varanasi: Abhijat Press, 1972.

[3] Prabhat Ranjan Sarkar. “The Place of Sadvipras in the Samája Cakra”. In: Idea and Ideology. Kolkata: Ananda Marga Publications, 1993 (1959). 7a ed.

[4] Shrii Shrii Ánandamúrti. Ánanda Sutram. Kolkata: Ananda Marga Publications, 2001 (1962). 2a ed.

[5] Ravi Batra. The Downfall of Capitalism and Communism - Can Capitalism Be Saved? Dallas: Venus Books, 1990 (1978). 2a ed.

[6] Singer, Paul. “Autogestão e heterogestão”. In: Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. pp.16-23.

[7] Dada Maheshvarananda. Após o Capitalismo - A Visão de PROUT para um Novo Mundo. Belo Horizonte: Proutista Universal, 2003.

[8] Prabhat Ranjan Sarkar. Neo-humanismo: Ecologia, Espiritualidade e Expansão Mental. São Paulo: Publicações Ananda Marga, 2001.

[9] Prabhat Ranjan Sarkar. Democracia Econômica – Teoria da Utilização Progressiva. São Paulo: Ananda Marga Publicações, 1996.

[10] Leonardo Thury. Descentralização Econômica – A Base da Democracia Econômica. Rio de Janeiro: 2001 (arquivo eletrônico).

[11] Leonardo Thury. Planejamento de Área – A Base da Descentralização Econômica. Rio de Janeiro: 2001 (arquivo eletrônico).

Nenhum comentário: